Com mais de 680 mil cabeças, o Pará lidera a produção de búfalos no Brasil e revela uma relação que vai além do lucro: no Marajó, o animal é parte da família, da cultura e da esperança de desenvolvimento social.
Em municípios do arquipélago do Marajó, como Soure, Chaves e Cachoeira do Arari os três maiores polos de criação de búfalos do Pará a relação da população com esses animais vai muito além da atividade econômica. Com 680 mil cabeças, o Pará é o maior produtor de búfalos do Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São mais de 14 mil propriedades com criação bubalina, sendo a maioria conduzida por pequenos produtores.
Nos campos alagados, nas ruas das cidades e até nos lares marajoaras, o búfalo está presente como símbolo de identidade regional, fonte de renda e até como um companheiro fiel. A afetividade dos moradores com os animais impressiona. Em Soure, por exemplo, é comum ver o animal citado em nomes de lojas, em monumentos e até como inspiração para eventos culturais.
No distrito de Retiro Grande, zona rural de Cachoeira do Arari, a pequena Flávia Alessandra, de apenas 11 anos, mostra o carinho que os marajoaras nutrem pelos seus animais. Ela cuida diariamente de “Nenenzinho”, um bezerro rejeitado pela mãe e acolhido pela sua família como um verdadeiro membro da casa. “Eu gosto bastante dele. Desde mais novo a gente batizou ele assim e agora basta chamar pelo nome que ele atende”, conta Flávia, sorridente.
Sua avó, Elma Suane Vidal, reforça a importância do animal: “É dele que tiramos o leite para fazer os queijos e doces que vendemos. Então o búfalo é tudo para a gente. É o nosso sustento”.
Na Fazenda Paraíso, também em Retiro Grande, a relação dos vaqueiros com os búfalos é de admiração e respeito. Os trabalhadores conhecem cada animal pelo nome: “Quadrilha”, “Vila Rica”, “Medalha” e o imponente “Batalha”, que pesa 1.200 quilos. “Eles já nos conhecem também. A gente se apega, escolhe um preferido. É gratificante”, diz Sidney, um dos vaqueiros.
Além da tradição, há também acompanhamento técnico. Durante o Torneio Leiteiro do Marajó, promovido pela Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), veterinários como Anelise Ramos e Augusto Peralta prestam assistência aos criadores. Eles afirmam que o trabalho no campo precisa respeitar a relação afetiva dos marajoaras com os búfalos. “Não é só produtividade, é vínculo. Já vimos casos de criadores que lamentam a morte do búfalo como se fosse um ente querido”, explica Anelise.
O presidente da Associação Paraense de Criadores de Búfalos (APCB), João Rocha, destaca que 72% dos criadores são pequenos produtores. “É uma cadeia produtiva que impacta diretamente o lado social, principalmente em uma região com Índice de Desenvolvimento Humano ainda baixo. O búfalo ajuda a levantar o Marajó”, afirma.
A importância do animal é tamanha que ele já foi homenageado no Carnaval carioca. Em 2023, a escola de samba Paraíso do Tuiuti levou o enredo sobre o búfalo marajoara à Marquês de Sapucaí, encantando o Brasil com a força da cultura paraense.
Soure, cidade símbolo dessa relação, exibe estátuas, pratos típicos à base de carne e leite bubalino e até um “personagem” famoso: o “Alemão”, um búfalo dócil que circula livremente pela orla da cidade, fazendo a alegria de turistas. “É incrível ver um animal desse porte tão tranquilo andando entre as pessoas”, disse Santiago Caldas, visitante do Paraná.
Até a segurança pública se adaptou: o 8º Batalhão da Polícia Militar utiliza búfalos nas rondas em áreas de difícil acesso, reforçando o quanto o animal está integrado ao cotidiano da população.
Com a aproximação da COP30, a bubalinocultura paraense ganha ainda mais visibilidade. O evento é visto como uma vitrine para o mundo sobre como a produção animal pode ser sustentável, culturalmente integrada e socialmente transformadora.